"O pudor é uma provocação sexual. A verdadeira inocência é impudica." - Francesco Orestano
Muitas vezes, nossas atitudes e vontades mostram-se "estranhas" frente a personalidade que acreditamos ser. São motivadas por um "Outro" que nos habita, que deseja coisas que não nos parecem "normais" querer. Esse "outro" chama-se inconsciente.
A frase "desejo inconsciente cujo objeto falta" pode ser considerada o coração da psicanalise. A constituição do DESEJO é a seguinte: O desejo cria um espaço o qual deve ser preenchido por aquilo que estabelece como seu objeto. Porém, vários objetos preenchem provisoriamente este espaço, mas o encaixe nunca será perfeito, deixando lacunas.

Vamos supor que vivenciamos o "Objeto perdido", algo que no passado propiciou uma experiência de completude, uma satisfação completa e total em todos os sentidos. Esse objeto perdido seria a primeira experiência de satisfação, irrecuperável. O interessante é que, talvez, essa "primeira experiência" não exista, mas existe o pensar que ela existe. E é assim que se movimenta o desejo. Desejo é esse movimento de "recolocação". "Daí, tem-se que não existe, a rigor, a satisfação do desejo na realidade. A dimensão do desejo não tem outra realidade que a psíquica. (Freud). Portanto, nunca será saciado o desejo, por que ele sempre se desloca. Um objeto se perde e em seu lugar põe-se milhões deles, que não trarão o mesmo prazer do objeto perdido. "O desejo permanece, portanto, sempre insatisfeito, pela necessidade que encontrou de se fazer linguagem. Ele renasce continuamente, uma vez que está sempre, fundamentalmente, em outro lugar que não no objeto a que ele visa ou no significante suscetível de simbolizar este objeto. Em outras palavras, o desejo vê-se engajado na via da metonímia. (...) O desejo persiste em designar o desejo do todo (objeto perdido) pela expressão da parte (objetos substitutivos) ".
O Filme desse final de semana foi "Esse Obscuro Objeto de Desejo", também do diretor Luiz Buñuel. Segundo Freud, Nosso ID é motivado principalmente por três forças: Agressividade, fome e sexo. Nossa sociedade vem tornando-se tão individual, onde o egoísmo e o desejo de singularidade, psicologicamente contraditória, é conseguida apenas através da padronização de comportamento e cultura - Por exemplo, o individuo sente-se "único" por usar roupas "da moda", ou seja, roupas massificadas. - Essa singularidade afasta e retrai muitos da sociabilidade, e essa falta de interação atinge e fortalece o terceiro pilar ID, o sexo.
Direção: Luiz Buñuel, França/Espanha
O filme é narrado pelo personagem Mathieu (Fernando Rey) através de FlashBacks durante uma viagem de trem. A própria viagem de trem já nos mostra o movimento circular do desejo, onde buscamos nos afastar de algo, mas a viagem toda nos coloca cada vez mais próximos através da narração da história. O enredo baseia-se na paixão entre um homem rico, bem mais velho, e uma jovem de 18 anos. A Jovem seduz o homem, mas ao mesmo tempo, nega-se a ele. E aí nasce a metonímia do desejo e seu constante deslocar-se.
No filme, o protótipo de sedução é ligado diretamente a feminilidade. Por que? Por que a feminilidade é sútil e não exposta. A sedução tem como objetivo o Sexo, e sexualidade exposta é vulgar aos olhos alheios. Por isso, a mulher é quem toma as rédeas do fio romantico-sexual na estória. Durante todo o filme, muitas são as separações do casal. Sempre que ele se aproxima muito dela, rompendo o limite determinado, ela o abandona: "Não me procure, não o verei mais", embora ela sempre ressurge. É ele quem fica prisioneiro da movimentação que ela impõe, onde ela pode ir embora a qualquer momento, mas tambem pode ressurgir.
Outro argumento do filme é a virgindade da mulher, simbolizando o eterno desejo que nunca se concretiza na satisfação pulsional. A personagem diz "O que posso fazer é amá-lo com loucura e me manter intacta para você. Você ama o que não posso lhe dar, não a mim.". Essa lógica parte da premissa que "Se eu não me entrego, você me desejará, eternamente. Se eu me entregar, ao contrário, você quererá outra coisa". onde há uma ilusão de controle do desejo do outro.
// SPOILER
No final, Conchita apresenta seu amante e finge uma relação sexual. O homem sai raivoso e, só nesse momento, com sua masculinidade quebrada, é que a odeia e a abandona . Na manhã seguinte, ela o procura: "Depois de ontem, vim ver como você estava morto. Pensei que tinha se matado ontem à noite". Ela confessa-lhe que tudo havia sido um teatro e ele a espanca. Somente então ela fica satisfeita: "Agora sei que você me ama". Vê-lo infeliz, e humilhando-a, é a prova última de amor, e a máxima seria a morte dele. Paradoxo da paixão: momento em que a vida e a morte do outro são oferecidas ou exigidas, como equivalentes. (M. L. Homem) //
SIMBOLOGIA
O Saco: No início do filme passa um homem carregando um saco nas costas e várias vezes ele reaparece no decorrer das cenas. Em outra situação, é o próprio Mathieu quem o carrega, passeando com a jovem na beira de um rio. Não se sabe o que há nele, que é que há algo nele. Pode ser uma analogia da estrutura do desejo: um saco, sendo preenchido e esvaziado, sempre presente? Algo misterioso?

Conchita, duas atrizes fazem o mesmo papel: A primeira possui ar sofisticado francês, com belos e finos traços aristocratas e que aparecia nas reconciliações amorosas. A segunda é a sedutora e caliente, com nuances latinas que provoca as brigas e dança flamenco nua aos turistas. Dois lados da mesma moeda da paixão, sendo o desequilibrio e a busca do equilibrio. E, no final, a explosão. Talvez conchita tenha ligação com o movimento terrorista ou talvez seja outra simbologia, a do explosivo movimento do desejo.
"O desejo do homem é pela mulher, mas o desejo da mulher é pelo desejo do homem." - Madame de Staël
5 comentários:
Bárbaro! achei interessantíssimo a tua análise deste trabalho do Buñuel, que por sinal, foi um dos títulos dele que mas me atraiu. Considero uma obra tão rica que não somente tem um roteiro ótimo, mas também nos permite extrair significados não-aparentes.
Por falar nisto, há vários pontos que vc comentou que eu não havia notado, dentre eles o simbolismo da viagem de trem e o homem que aparece carregando um saco em alguns momentos.
Nestes dias vi "Anjo exterminador" e "Viridiana", ambos são ótimos e fazem parte de uma trilogia feita justamente para criticar a alienação religiosa da época.
Enfim, muito minuciosa esta resenha. Inclusive, a citação sobre a necessidade do desejo em se fazer linguagem é lacaniana, estou certo? ;]
Um abraço,
www.cinefreud.com
Você realmente VIAJA e mergulha nos filmes, né? Crítica ótima.
Estava no Google e vi o seu BLOG. você tem uma visão além do que se vê, moleque. Parabéns e vou usar algumas coisas no meu trabalho.
Um grande abraço.
E o nosso maior desejo é sermos desejados.
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