quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

A Sociedade: Laranja Mecânica

"Ainda que exista uma enorme hipocrisia a respeito da violência, todas as pessoas são fascinadas por ela. Afinal, o homem é o assassino mais cruel que já pisou no planeta." - Stanley Kubrick

Título Original: A Clockwork Orange, 1971
Direção: Inglaterra, Stanley Kubrick

Junto com "Admirável Mundo Novo" de Hukley e "1984" de Orwell, "Laranja Mecânica" de Anthony Burgess forma uma tríplice distópica da sociedade pós-revolução industrial. Um estilo de vida dominado pela mecanização dos processos sociais, referentes a revolução industrial, condenou todos os seres humanos a uma uniformidade de comportamento. Muito mais que um filme sobre a violência e hipocrisia, "Laranja Mecânica" (1971) do incrível Stanley Kubrick, mostra-nos o mecanismo de controle utilizado pela sociedade utilizando como exemplo Alex Delarge (Malcon McDoweell), um adolescente que tem como principais interesses "a UltraViolencia, o estupro e Beethoven". Um resumo da Sociedade atual e futura.

Alex DeLarge é um menino de 14 anos e líder de uma gangue, onde seus principais interesses são o sexo desenfreado, a ultra violência e Ludwig Van Beethoven. Dois anos após ser preso por assassinar a dona de um Spa, é convidado a realizar o "Tratamento Ludovico". Este tratamento criado pelo governo prometia devolver os criminosos totalmente recuperados à sociedade. A partir daí nasce a principal questão do filme: De que adianta 'curar' um indivíduo que não consegue administrar os seus instintos frente a uma civilização igualmente incapaz de administrar suas contradições sociais?

A própria chamada do filme mostra-nos a forma a qual a sociedade controla-nos, colocando Alex DeLarge e seus interesses como 'inimigos'. A Violência é sinonimo de expressão contra o sistema vigente. Os únicos que podem utiliza-la são as autoridade/policiais. Utilizá-la seria o mesmo que igualar-se. O Sexo também como forma de controle, referência a religiosidade e a familia. As duas instituições 'limitam' o indivíduo, como forma de pensamento e relacionamento, respectivamente. E Beethoven, musica erúdita, como representação do conhecimento. Quem o tem, questiona, sendo a inteligência um grande inimigo da sociedade. Assassinando a Dona de um Spa, Alex DeLarge assassina o Padrão de Beleza imposto pelos meios de consumo. A vítima possuia mais de 30 gatos em seu spa. O gato tem como característica a individualidade e o interesse. Este bichinho de estimação só está com você pois depende de comida e abrigo, diferentemente do Cachorro, que considera-o como 'parte da matilha'. Com a morte em questão, o Padrão de beleza separa-se da 'Individualidade', ou seja, o ego, o narcisismo. Grande sacada, né? Além disso a forma como a vítima morre representa o masculino 'esmagando' o feminino. A vítima morre com a cabeça esmagada por um pênis de porcelana gigante.

No "Tratamento Ludôvico", Alex era drogado e submetido a uma série de imagens violentas e sexuais, ao som de música clássica, preso a uma poltrona e com as pálpebras retidas, sem poder nem piscar. As drogas faziam-no passar mal e sua mente acabou por associar as cenas de sexo e violência as sessões de tratamento desesperadoras.
O fundamento deste programa chama-se "Teoria do Condicionamento", elaborada por I. Pavlov e desenvolvida por J. Watson e B. Skinner. Para entender melhor, teriamos que conhecer o BEHAVIORISMO. Para Watson, a psicologia deveria focar-se mais no comportamento observável do que no estudo dos processos mentais. No caso, o comportamento seria qualquer mudança observada que fosse conseqüência de um estímulo ambiental interior, ou seja, estudar a ação que ocorre como resposta a um estímulo específico. Vou explicar melhor: Watson acreditava que o Meio é de grande importância na construção do indivíduo, suas ações e comportamentos. Por exemplo, se colocassemos crianças recem-nascidas em um ambiente controlado, poderiamos determinar suas profissões e caráter. Watson então fez o Experimento do Pequeno Albert em 1920. Para demonstrar o funcionamento do condicionamento em seres humanos, Watson implantou uma fobia em um bebê da seguinta forma: Assosciou em estímulo neutro (animais peludos) a um estimulo aversivo (Som alto). Toda vez que o bebê aproximava-se do ursinho de pelúcia peludo, um som altíssimo ecoava perto dele. A apresentação simultânea dos estímulos por diversas vezes, fez com que o bebê desenvolvesse medo de animais peludos. No caso de Alex, estímulos agradáveis - sexo e violência - são associados a respostas desagradáveis - enjôos e desespero. A irônia fica por conta do padre que contesta que esta aversão a violência não é autêntica pois não é produto de uma escolha, mas coagida por medo do mal-estar físico - Somos bonzinhos, segundo a visão do cristianismo, apenas por MEDO do inferno.

Deu certo o tratamento? Para o governo sim. Não importa se ainda permaneciam as vontades guardadas internamente, desde que não fossem manifestadas. E é isso que acontece com cada um de nós. Este é o trabalho de alienação. Internamente ou em mesas de bar, ocorrem conversas indignadas referentes a guerras, violências, injustiças na política, mas não as manifestamos. Considerados animais 'racionais' e pensantes, tornamo-nos produtos mecanizados nas mãos do mercado só por querermos ter uma vida tranquila. Mas quem faz o mercado (sociedade) somos nós. Logo, somos obrigados a agir padronizadamente por escolha nossa, então, para que revoltar-se? Como a sociedade capitalista visa só o lucro, impõe um modo de vida comum e padronizado a todos, e esta 'domesticação' impede que olhemos para a sociedade como um todo e passemos a enxergar apenas a si. Queremos tanto uma boa-vida adornada de tecnologias que esquecemos da vida social e não damos atenção aos problemas que estão longe do campo de visão (Como política, segurança e educação). Além disso o "Tratamento Ludovico" está diretamente ligado a mídia publicitária de mercado. Através de imagem e música, somos seduzidos, são gerados sentimentos, opiniões e vontades. Uma vez que o nosso comportamento pode ser moldado por imagens, perdemos um referencial, vivendo como marionetes manipuladas. Ser livre é um estado utópico na condição humana.

Irvon D. Yalom diagnosticou vários pacientes recuperados, mas a constante desconfiança da familia fazia com que o paciente tivesse uma recaída em um momento onde quem precisava de terapia era a familia, a fim de aceitar que o paciente estava curado. Após Alex retornar a sociedade, acontece o mesmo que nos dias atuais: não há garantias que o acusado voltará a cometer o mesmo erro, causando uma discriminação massificada. Em seguida, as mascaras caem. Os primeiros que Alex tem contato pós tratamento é a familia, que renega-o, mostrando como a instituição Familia encontra-se cada vez mais desfalcada. Em segundo, os mendigos que começam a espancá-lo - Até esta 'classe' tão renegada pela sociedade, renega o 'ex-presidiario'. Em terceiro, os políciais, antigos amigos de gangue de Alex, espancam-no - Representam o descuido de deixarmos nossa segurança na mão de 'bandidos'. Ao mesmo tempo, questionamos a filosofia 'Violência com Violência". No livro "Vigiar e Punir" de Michel Foucault o ato de punir violência com violência seria transgredir a lei universal. Ao praticar este ato, mostra-nos que vivemos em uma sociedade de desiguais e abuso de poder. Em quarto, Alex encontra-se com Sr. Alexander, um escritor pertencente a um partido esquerdista que decide usá-lo a fim de derrubar o governo. Sr. Alexander já foi vítima de Alex e sua gangue anos atrás, tendo sua casa saqueada (Escritor = Conhecimento), sua mulher estuprada (Destruição dos Valores familiares) e perdendo o movimento das pernas (Tornando-o dependente). Sabendo do condicionamento de Alex a música erúdita, trancou-o em um quarto com música alta fazendo-o lembrar-se do tratamento motivando-o a suicidar-se.

Stanley Kubrick decidiu por mudar o final da história. No livro, Burgess conta que após a tentativa frustrada de suicídio, Alex faz um acordo com o governo após subornado a ficar favorável, e o condicionamento contra o sexo, violência e Beethoven, criado pelo Tratamento Ludovico, desaparece. Aí é onde o filme termina, mas no livro Alex recebe alta do hospital e visualiza antigos amigos de escola já casados e com familia, motivando-o a curar-se por si só e procurar aquele estilo de vida. Ao negar este final dado por Burgess, Kubrick mostra o que realmente queriamos. Queriamos Alex recuperado e o temos. O ex-lider de uma gangue tornou-se um político astucioso, de sorriso hipócrita e que sabe domesticar a sua sexualidade e agressividade. Capaz de cometer ainda as mesmas atrocidades, porém aceito nos ambientes mais sofisticados da sociedade, ou seja, por baixo dos panos. Vemos um ministro (Representante da sociedade) dar comida na boca de um marginal em troca de silêncio. Termina o filme com a frase "Agora eu estou realmente curado". Como ele verdadeiramente é. Como verdadeiramente somos.

Em sua fantástica fotografia e trilha sonora incrivelmente bem encaixadas (Guilherme Tell, Rossini, Beethoven), Kubrick submete-nos a um cruel "Tratamento Ludovico", o qual assistimos belíssimas cenas de violência, sem piscar. Sem sentir aversão, pelo contrário, sentimos prazer. Uma mistúra de ética e estética. Ficamos então, cientes e incomodados de nossa animalidade ao vislumbrar tais cenas com prazer. Há em nossa volta um show de horrores, onde o livre arbítrio deixa de ser uma opção e passamos a viver sem pensar, fazer sem entender e responder sem questionar. Pengunto-lhe então: Onde fica a sua liberdade a medida que nega-se a si próprio?

"O Homem Nasce Bom, a Sociedade que o corrompe" - Rosseau

Por Cláudio_DeLarge

5 comentários:

Unknown disse...

Isso foi incrivelmente assustador.

Michael Lourenço. disse...

É muita alegria saber que este meu amigo é tão inteligente. Hoje em dia, falta este tipo de pessoa, tão jovem ( como eu heheh) escrevendo coisas tão profundas da alma. Este assunto sobre o comportamento, o meio influenciando o modo de agir das pessoas é muito importante, não apenas para alertar as pessoas sobre mundo capitalista, mas também para abrir os olhos do ser humano para ver o ser humano, real, puro, divino, perfeito. As pessoas são como diamantes brutos. No interior eles são perfeitos, mas precisam ser lapidados até chegar nessa perfeição. Esse assunto ajuda muito porque a partir do momento em que começamos a ver a pureza, o divino, pois na essência todos somos perfeitos, tudo é bonito, tudo é amor, todos são amigos, e passamos a amar a todos, e a odiar ninguém pois só enxergamos a divindade. Assim, logo, desprendemo-nos do mundo capitalista que nos faz de robôs, preocupados com a roupa, o último lançamento, etc. Passamos a ver mais as verdades do mundo, o que realmente importa, e começamos a nos preocupar com o próximo. Se todos fossemos assim, o mundo seria muito melhor, porque o outro seria tão importante quanto nós somos, e não haveria a exploração capitalista. Mas isso é quase utopia. Os seres humanos são imperfeitos. Além de tudo isso, ao chegarmos neste estado de espírito, o munda passa a ser perfeito e somos felizes. Parabéns!

[Não te importa] disse...

Agora eu entendi direito a história do filme e onde ele queria chegar... A mais ou menos 2 anos eu assisti o filme depois de ter lido o livro. Não tinha muita maturidade para entender o que o filme queria dizer... Hoje um pouco mais velho, Lerei e Verei novamente "Laranja Mecanica" mas agora com outros outros olhos...

Natália disse...

Não sabia desse final do livro. Ter modificado foi mais uma grande sacada do Kubrick!

Luh. DeLarge. disse...

"Somos bonzinhos, segundo a visão do cristianismo, apenas por MEDO do inferno." Extremamente 'Maquiavélico'!