quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Os Sonhadores - Política, Sexo e Cinema

" Eu li na Cahiers Dú Cinema que o cineasta é um espreitador. Um voyeur. Como se a camera fosse o buraco da fechadura do quarto dos seus pais. Você os espia, fica enojado e sente-se culpado, mas não consegue desviar o olhar. Os filmes são crimes e os diretores, criminosos. Devia ser ilegal. 
- Lá se foi a minha chance de ser cineasta. 
- Por que? 
- Porque meus pais sempre deixaram a porta aberta."
Diálogo de Os Sonhadores

Durante esse mês tenho discorrido bastante sobre o amor e o molde cultural dos relacionamentos amorosos. Aquele modelo onde um indivíduo apaixona-se por outro indivíduo, casam-se, constroem uma casa, formam uma família e compram um cachorro. Aquela típica familia perfeita de comercial de margarina. Um molde imposto culturalmente durante séculos e reforçado como o Caminho da Felicidade pelo cinema norte-americano. Pois é, a felicidade dá-se pela concepção de fazer uma familia e envelhecer cheio de filhos, netos, bisnetos e seu parceiro do lado. Velhinhos e juntos. Sem adultérios, divórcio e respeito constante. O Cinema norte-americano sempre reforçou esse molde de relacionamento perfeito. Porém, como sempre, o Perfeito é (a grande maioria das vezes) inalcançavel. E, sem querer ser repetitivo, perfeição é interpretativo, certo? Depende da sua interpretação!

Comecei o ano com um vício delicioso: O cinema francês. A França é, de fato, o berço do cinema visto que em 28 de dezembro de 1895, no subterrâneo do Grand Café, em Paris, os Irmãos Lumiére realizaram a primeira exibição pública e paga de cinema - uma série de dez filmes, com duração de 40 a 50 segundos cada. Consolidou-se como a capital do cinema no início da contestatória e revolucionária década de 60, com a inserção do movimento artístico do cinema francês chamado Nouvelle Vague, que transgredia as regras aceitas no cinema comercial com intransigências narrativas, pouco apoio financeiro e a incorporação de estilos da Pop Art ao teatro épico, utilizando textos de Balzac, Manet e Marx.  Possuía um questionamento novo, um erotismo pungente e um romantismo tragicômico. Era arte em suas ultimas conseqüências. Os cineastas mais relevantes desse movimento são Jean-Luc Godard, François Truffaut, Alain Resnais, Jacques Rivette, Claude Chabrol e Eric Rohmer

E é dessa quebra de moldes que se evidencia o amoralismo humano - amoral não é imoral, não confunda - e a concepção de vida rasa e ilusória, muitas vezes, divulgada pelo cinema Norte-americano. Nossa vida é pungente e tem a necessidade de ser lascinante. "Pungente" não no sentido pejorativo, mas em sua vivacidade, em viver na sua profundidade. Somos Humanos. As influências do Cinema Francês criou vários Menage-a-trois famosos como Jules e Jim, Os Sonhadores, Amores Imaginários, Vicky Cristina e Barcelona, E sua Mãe Também e Dona Flor e Seus Dois Maridos. Relacionamentos imorais visto de uma ótica humana amoral. Essa semana revi um dos extases cinematográficos e uma das pouquíssimas obras-primas dos ultimos anos: Os Sonhadores (2003), de Bernado Bertolucci

O ano de 1968 foi o percursor de enormes mudanças no cenário mundial. Explodiu o movimento hippie, os questionamentos frente à banalidade da Guerra do Vietnã e a liberdade sexual. Tudo isso veio de uma vez e teve sua maior representação na juventude politizada da França. Essa ideologia foi inspirada por nada menos que clássicos cinematográficos da Nouvelle Vague. Essa moção dos franceses inspirou o resto do mundo a lutar pelos seus ideais e direitos, lutando contra a repressão política na ascensão da liberdade de expressão. Podemos considerar o início dessa revolução a partir de um episódio ocorrido em Fevereiro de 1968. O governo francês fecha a Cinématèque Française e demiti o seu fundador, Henri Langlois, acusado de, com sua programação variada, incitar a libertinagem política e sexual. Estudantes e Cinéfilos certinhos unem-se em manifestos contra a ação tomada. E é do descontentamento inicial cinéfilo desses estudantes de Nanterre e outras universidades que criou-se uma das mais importantes revoluções contra o regime político francês.

É nesse pano de fundo que o diretor Bernardo Bertolucci (O Ultimo Tango em Paris) conta a história do americano Mathew (Michael Pitt), que ao instalar-se em Paris para estudar francês, conhece os irmãos Isabelle (a fabulosa Eva Green) e Théo (Ninguem menos que Ele, Louis Garrel). Convidado a morar com os gêmeos enquanto pais viajam, Mathew adentra na estranha ligação incestuosa e dependente dos dois irmãos. Essa união triangular tem como verticie a paixao pelo cinema e descoberta pela à sexualidade.

Deixando de lado as atuações viscerais de uma Eva Green sensual e erótica, equilibradamente romântica e misteriosa, e um Louis Garrel (Esse ator me desnorteia, sério!) bonito, inteligente, charmoso e manipulador - Segundo Bertolucci, ele percebia de primeira o que o diretor queria -; Deixando de lado também uma trilha sonora impecável com Janis Joplin, Jimmy Hendrix, The Doors, François Hardy (Wow!) e Edith Piaf (Wow 2x), Bertolucci usa de montagem delirante ao contrapor cenas de filmes antigos numa brincadeira cinéfila entre os três jovens. Usa Luzes da Cidade de Chaplin, A Vênus Platinada com Marlene Dietrich, Os Incompreendidos, de Truffaut, O Picolino, com Fred Astaire e, para encher seus olhos de lágrimas de emoção, refilma a cena de Bande à Part, de Godard, onde os três tentam bater o recorde de 9min45s em uma corrida no Louvre. É de parar o coração!

Toda essa conversa cinematográfica combinada com discussões revolucionárias maoistas, divergências políticas e uma constante descoberta sexual. Mathew passa a ser o intermédio do incesto proibido e nunca consumado de Théo e Isabelle. Ele, o aparentemente mais ingênuo dos três é que percebe a vida infantil e dependente que prenderam-se (Como simbolismo, mostra a depilação que Isabelle submete Théo e vice-e-versa). Uma falta de limite que pode ser interpretada como infantil, mas que possibilita questionamentos , novas visões e uma expansão de pensamento. 

Bertolucci participou dessas manifestações e conta que viu grandes personalidades culturais como Godard e Truffaut serem empurrados pelos policiais, onde ouvia-se "Films, pac flics" (Filmes, não policiais) ecoando pelas ruas de Paris. Sua intenção de verossimilhança no filme para a realidade é o convite feito aos atores Jean-Pierre Kalfon e Jean-Pierre Leaud que discursaram de verdade na manifestação à Cinématèque e leram (de novo) o panfleto escrito por Godard em 1968. Bertolucci disse que estava "recuperando o que não tinha feito" ou vivido em sua intensidade em sua juventude. O final proposto é aberto deixa claro que o "controle" não existe. É o cinema sem intenções de ludibriar, apenas na intenção de fazer-se pensar. Deixa de ser um instrumento de entretenimento e passa a ser difusor de conhecimento e questionamento na expansão do ser humano.

Ao terminar de assisti-lo, sinto-me revigorado, mas tão perdido quanto Théo, Isabelle e Mathew: Um desespero de ter tanta VIDA em minhas mãos e não saber direito o que fazer com ela.


"A diferença entre Keaton e Chaplin é a mesma entre a prosa e a poesia. A aristocracia e o vagabundo, a excentricidade e o misticismo, entre o homem como maquina e o homem como anjo" - Diálogo de Os Sonhadores

2 comentários:

Xxx disse...

Olá, Cláudio,

Muito interessante, novamente, como sempre, o seu post.

Lacan já dizia que o desejo é irrealizável, o que vai de encontro do perfeito ser inalcançavel. Sempre há uma fenda, nunca fechada. E temos que conviver com isso, de alguma forma, com as armas (recursos internos) que temos... não é mesmo, garoto?

E nesse percurso é isso o que ocorre com quem pensa antes de agir, reflete sobre a vida: o que fazer com tudo isso que tenho? Bem... pensar ou agir nos faz felizes? E eu quero ser... feliz, afinal? O que é a felicidade? Ora, tudo é interpretativo, não?

Sobre cinema francês... ahhh... minha paixão também...

No mais, família perfeitinha de TV americana... hum... olhando ao redor... este tipo de família está em declínio... bem vindo à pós-modernidade.

Abraços e até breve!!!

Anônimo disse...

Filme foda-foda-foda-foda