quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

A Bela da Tarde,

"A imaginação é o nosso primeiro privilégio, tão inexplicável como o acaso que a provoca." - Luiz Buñuel

Nunca escondi minha paixão e o enorme tezão que sinto ao assistir algum filme de Stanley Kubrick. Mais que um diretor de obras-primas, tenho por ele uma ligação sentimental. "Laranja Mecânica" foi o primeiro filme clássico que assisti e o total responsável pela minha entrada no "Cinefilismo". Juntos com ele, a sensibilidade de Charles Chaplin e o existencialismo de Ingmar Bergman dividiam o posto no meu coração e na minha mente como os Melhores Diretores do Mundo, equiparados e equilibrados. Obviamente Lars Von Trier, Billy Wilder, David Lynch, Federico Fellini, Hitchcock, Godard, Kurosawa entre tantos outros, são fantásticos, mas aqueles três em especial faziam-me viajar ainda mais. Esses dias comprei dois filmes de um diretor que sempre me fascinou, mas a dificuldade em achar seus filmes me impedia de conhecê-lo melhor. Hoje, ele já dividi um espaço com o Kubrick, Bergman e Chaplin: Luiz Buñuel.
Aclamado pela crítica e sempre envolto a constantes escândalos devido a temática de suas obras, o mexicano Luiz Buñuel foi um dos principais representantes do Manifesto Surrealista. Ele, junto com Salvador Dalí, René Magritte e Antonin Artaud popularizaram o movimento. Buñuel era Anti-clerical, ateu e machista. Gravou seu primeiro filme "Um Cão Andaluz" em parceria com Salvador Dalí. O filme era um sutil e evidente ataque a Gabriel Garcia Lorca, antigo amigo de faculdade de quem haviam se afastado devido a aversão que Buñuel tinha a homossexualidade do poeta e da complacente amizade entre Dali e Lorca. Em "Um Cão Andaluz" vemos Burros dentro de pianos, mãos sendo cortadas, seios, metamorfoses visuais e a famosa cena que um globo ocular é cortado na navalha... A estética surrealista ganhou o cinema e, Luiz Buñuel, o mundo.

Dentre sua filmografia, já havia assistido "O Anjo Exterminador", "Viridiana", "A Idade de Ouro", "Um Cão Andaluz" e "Escravos do Rancor". Surpreendi-me em todos os sentidos com uma verdadeira viagem cinematográfica que personificava o meu inconsciente. No final de semana passado, assisti "A Bela da Tarde", o filme mais conhecido do diretor. Representando sua fase mais madura a qual consolida-se o "Estilo Buñueliano", formando uma maca registrada e cumplicidade com o espectador que, fã ou não, sabe exatamente o que esperar - ou, no caso de Buñuel, o que não esperar - da narrativa do filme. Carregado de um absurdo muito bem amarrado, "A Bela da tarde" é baseado no romance do escritor Joseph Kessel, onde a pesonagem Séverine (Catherine Deneuve) sonha com olhos abertos. Ela possui um casamento sólido com um bonito e rico cirurgião parisiense burguês. Porém este relacionamento não a satisfaz sexualmente, levando-a a freqüentar um bordel de luxo dirigido por Madame Anais, trabalhando como prostituta.

Título: "Belle de Jour", 1967
Direção: Luiz Buñuel, França/Itália

Séverine sonha com os olhos abertos. Quando ela fixa o olhar em determinado ponto, o que ela vê não é necessariamente o que está diante de seus olhos, mas uma cegueira iluminada de imagens e vontades sexuais que permeiam seu inconsciente. Ela descansa o olhar naquilo que está oculto, mas que sua mente perversamente sexual interpreta. Durante a noite, ela sonha com fetishes sexuais: Humilhação, estupro,  necrofilia entre tantos outros. E os sonhos e subjetividades misturam-se com a prostituição que ela vivencia nas tardes. Suas vontades e submissões, às vezes tão absurdas, chegam a confundir o espectador se o que acontece é sonho ou realidade. É ambíguo. A única certeza que temos é que aquele é o desejo de Severine, ou até mesmo a nosso desejo não declarado. Ou melhor, não admitido. A partir dessa concepção nasce a pergunta "Se ninguem pudesse saber, até que ponto eu chegaria para satisfazer meus desejos sexuais?".

Assim como muitas pessoas, eu tinha preconceito a lugares destinados a entretenimentos sexuais. Saunas, Cinemas, parques, casas de swing e qualquer lugar de cunho exclusivamente sexual. Promiscuidade, doença, AIDS e problemas psicológicos: é dessa forma que muitos rotulam os adeptos a esse tipo de diversão. O que muitos rotuladores não tem conhecimento, é que este tipo de lazer é mais freqüente que o imaginado. Homens e mulheres, tios e sobrinhos, pais ou filhos... Temos mais "Belas e Belos da Tarde" do que imaginamos. E muitas são pessoas incríveis, equilibradas e de um caráter invejável. Somos Humanos. Somos Sexo, fome e excrementos. Somos vontades e sentimentos. Somos um equilíbrio desequilibrado. Produzo 1,5 milhões de espermatozoides diariamente, me masturbo e tenho pensamentos obscenos e "doentis". Todos nós temos.

Não sou adepto a esta prática. Talvez por medo, talvez por falta de tempo ou até talvez por perfil. Não me vejo em tais lugares. Oportunidades eu tive, todas recusadas, mas ainda não descartadas. Por ora, Séverine será meu veículo para me abandonar de mim mesmo e entregar-me ao devaneio sexual. Observo-a enquanto ela vive seus sonhos ou pesadelos. Assim como eu, de olhos bem abertos, que é a maneira de se sonhar no cinema.


"Não Gosto dos donos da verdade, quaisquer que sejam eles. Assustam-me e me entediam. Sou fanaticamente anti-fanático." - Luiz Buñuel

2 comentários:

Anônimo disse...

Adorei o visu novo!

Natália disse...

Adoro essas sacadas geniais. Principalmente quando nos coloca de cara com algo que nem nós mesmos acreditamos que nos habitam. Até pq se a gente vasculhar bem, encontramos ali, toda camuflada, nossa Séverine.