quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Os Boxeadores

A arena estava lotada e havia tantas pessoas que os meus olhos não enxergavam sua finitude. Acabavam no horizonte. O público era extremanente diferenciado. Havia ricos, pobres, miseráveis, negros, brancos, mulatos, pardos, mamelucos, sãos, malucos, homens, mulheres e gays. O cheiro era uma mistura de cerveja e grama molhada. No centro de tudo estava um ringue branco. Um soar do microfone e todos os olhos viraram-se para o ringue. Olhos vidrados, atenciosos e ansiosos para a minha entrada e a de meu adversário. Por segundos, não ouvia-se absolutamente nada.

Eu tinha noção que havia uma pequena minoria torcendo para a minha vitória, mas era uma minoria consciente e esperançosa. Visualizei o meu reflexo torpe no chão do ringue branco. Eu estava com cabelos castanhos longos, olhos pretos em um corpo curvilíneo de mulher. Vestia um shorts colorido com elastico branco. O busto era preto e deixava a minha barriga amostra. Eu estava sozinha e confiante.

Do outro lado um lutador careca, o corpo grande e, acho eu, deveria ser o dobro do meu peso. Musculosamente definido, vestia um shorts dourado e luvas de boxe pretas. Ao seu redor havia um treinador que parecia ter saido de um filme nazista e uma assistente comportadamente vestida, munida de uma toalha em uma mão e uma bíblia na outra. Seus olhos pareciam assassinos.

O alarme soou. O lutador de shorts Dourado avançou em minha direção. Deferiu dois socos no maxilar e um na maçã do rosto. Eu, meio zonza, coloquei a mão nos olhos para enxugar o suor que caia. Recebi um soco nas costelas seguido de um na homoplata. Mirou em meus rins e meus pulmões. Empurrei-o. Cuspi no chão. Visualizei uma menina de minha torcida e sorri para ela. O semblante de meu adversário mudou de empolgação para ódio. Foi direto para os meus seios. Socava-os repetidamente. Esbofeteou-me e concentrou seus murros em minha boca e queixo. Escorreguei no meu próprio sangue. Caída no chão, o lutador deferiu-me um chute na vagina e útero, seguido de um chute no estomago e outro no rosto. Deitada de lado e ouvindo a contagem do juiz - 10, 9, 8... - e a gritaria da grande maioria do estádio, à favor dele, visualizei a menina que sorriu para mim. - ...7, 6, 5 ... - Vi toda a minha torcida e a ânsia e força que me mandavam, - ...4, 3... - levantei cambaleando. A contagem parou e o lutador, raivoso, veio em minha direção odiosamente. Minha voz vacilou-se em um convite "Venha, ignorante" Dessa vez, esquivei-me fazendo-o mergulhar em um canto. Esmurrei-o. Esmurrei-o por cada torcedor que havia naquela platéia. Esmurrei-o por cada um que a platéia adversária fez sofrer. Esmurrei por cada emprego perdido, cada soco recebido e cada ofença atacada. Esmurrei pelas religiões, pelos futebóis, pela ignorância e, por Deus, esmurrei por mim. Cansada, errei o 24° soco.

Dessa vez o arbitro não contou, encolheu-se em um canto. A platéia muda e confusa, aguardando o mandato do locutor a fim de qual reação tomar. "Aguardem", gritou a assistente comportadinha com a bíblia na mão. A atenção voltou-se a ela. Ela e o lutador deram as costas a mim e minha torcida. Trocaram de adereços: Ela vestiu as luvas, ele segurou a bíblia.
- Meus irmãos, o que vocês conseguem ver esta noite? Eu respondo, enfrentamos algo muito mais sinistro e poderoso do que jamais imaginamos. Enfrentamos a doença. Esta menina é a personificação da doença do comportamento, do psicológico e, principalmente, a doença da Moral. O que ela defende e acredita vai de encontro a tudo que somos e acreditamos. Tudo o que o Grande Poderoso locutor nos ensina. Ela é capaz de acabar com a instituição da familia, transar com os seus filhos e disseminar doenças. Esta adversária é anti-natural, promíscua, não tem caráter e, principalmente, não é igual a nós. Não segue os padrões aos quais o Grande Locutor, que tudo vê e tudo sabe, defende. Ela, antes de uma adversária deste lutador careca de shorts Dourado, é uma adversária nossa. Quando vocês menos esperarem, vocês estarão doentes e seus filhos serão como ela. Vocês ficarão ai, vendo ela e sua torcida conquistar e invadir o seu espaço ou entrarão aqui neste ringue comigo? CADÊ A RESISTÊNCIA?? - Gritou com um fervor que seus olhos transpiravam ódio e, seus cabelos, inicialmente arrumados e longos, agora estavam alvoroçados.

Estremeci e o horror tomou conta de meus músculos e orgãos. Uma lágrima percorreu meu rosto. Já havia chorado tanto.

Senti os punhos de uma nação inteira caindo sobre mim. Uma nação ignorante. Subiam no ringue e espancavam-me. O ódio era tanto que minha torcida também começou a ser atacada, ofendida e ridicularizada. Deixaram que sofressem. Milhões deles. Fechei os olhos e as duas ultimas coisas que ouvi foram meu suspiro e um unissono "Matem esta Homossexual".
Eu não vou morrer assim...


Por Cláudio_DeLarge

2 comentários:

Lú disse...

Vc está melhorando a tua narrativa cada vez mais... paabens, gatão.

Natália disse...

Shorts DOURADO hahaha