domingo, 10 de janeiro de 2010

O Anticristo: A Dualidade

"A Floresta é a igreja do AntiCristo"

Título Original: Antichrist, 2009
Direção: Dinamarca, Lars Von Trier

Estou tão empolgado em escrever esta crítica que vocês não tem idéia. Um filme bom, pelo menos para mim, é aquele que ramifica-se em inúmeras interpretações. A cada sessão, uma interpretação diferente nasce. Cada simbologia que um filme apresenta, é como um processo de maiêutica socrática, ou seja, o indivíduo tira de si mesmo o conhecimento. Através de auto-questionamentos consegue chegar as respostas, através de si próprio, das perguntas que fazia a si mesmo.

Utilizando explicitamente do sexo e religião, Von Trier cria uma obra-prima cinematográfica sobre toda a dualidade existente no mundo. Será o AntiCristo a mulher personificada ou a própria "Idéia Jesus Cristo"? Enquanto os personagens de Charlotte Gainsbourg e Willem Dafoe entregam-se ao gozo sexual, por um descuido, seu filho Nick cai acidentalmente pela janela do prédio. Desencadeando uma profunda depressão na mãe, Ele, terapeuta, utiliza de terapia cognitiva a fim de fazê-la enfrentar seus medos, levando-a a casa de campo do casal, localizada na 'Floresta do Éden'. A partir de então, a dualidade e o oposto entram em choque. O Homem e a Mulher, O Branco e o Preto, Cristo e o Diabo.

Temos então, duas perguntas: E se a natureza fosse criada pelo AntiCristo? E se o "AntiCristo" não for "O Mal"? Uma das principais histórias que constroem a Bíblia, é a história da Adão em Eva. A partir desta, nasce a concepção de culpa ao sexo feminino por infringir a regra de Deus ao comer o fruto proibido. Foi a mulher, Eva, que ofereceu a tentação a Adão, o Homem. Desde então toda humanidade foi punida. Para a cabala, segmento religioso-filosófico do judaismo, Ádão teria sido criado como homem e mulher ao mesmo tempo e, seqüencialmente, dividido, surgindo então Lilith. Deus deu-a em casamento a Adão. Como ela não queria submeter-se a Deus e ao Homem, fugiu do Paraíso e uniu-se ao Diabo, sendo o principio da divergência entre o homem e a mulher. Então, Deus adormeceu Adão e criou a mulher de sua costela, construindo um vínculo de dependência e certa submissão. Ao "quebrar" a 'maquina' humana transformando-a em dois, retirou a costela - aquela que protege os orgãos e outros músculos - e deixou o Coração - o sentimento, o Ser Humano - exposto para o que ele verdadeiramente é. Ficou a mercê dos prazeres mundanos da natureza e foi seduzido pelo 'Dêmonio'.
Em um diálogo do filme, a Mãe diz "A Natureza é a Igreja de Satanás". Não só a natureza em si, mas a natureza humana, a dualidade. Ao mesmo tempo que a bíblia indica que o corpo é o templo de Deus (1 Coríntios 6:19) Indica que nossas vontades corporais é a natureza da igreja de Satanás.

O pai, como terapeuta que ajuda e protege a Mãe, é a racionalidade. A Mãe que deprimi-se é a emoção. A morte do filho ao cair da janela, é a queda da inocência enquanto o sexo deflora-se. A igreja Católica então divulga o cristianismo ocidental como a égide do fálico, do pênis. Revitalizando o patriarcalismo, oprimindo o gênero feminino criando o feminícidio. Em certo ponto do filme, a mãe deixa claro que não concluiu o seu estudo sobre os feminicídios acontecidos na idade média, os quais milhares de mulheres foram mortas e torturadas por bruxaria, sendo acusadas por pacto com o Diabo. Voltando a 'Floresta do Éden', parece ser acometida por uma dupla personalidade: uma violenta, instintiva e independente (Lilith), e outra insegura, medrosa e dependente (Eva). A Mãe então quer submeter o homem ao julgo da mulher: O ato sexual é feito com a mulher por cima do homem (Símbolo de dominação) e prende uma roda de concreto em sua perna, referência ao peso da culpa que todas as mulheres carregam ao longo da história.

Logo em seguida acontece a disputa sexual descrita por Freud. Para a psicanálise, a destruitividade e sexualidade são forças em constante conflito que movimentam o psiquismo. Em função disso, Freud explica que temos a 'angústia de castração'. O homem teme a mulher com seu genital, pois sua visão evoca a 'castração', sendo esse o terror que provoca a ereção - uma reafirmação por não ter sido castrado, de certa forma, uma superioridade. O Clitóris é uma espécie de pequena Glande (Cabeça do pênis), hipersensível que dá prazer a mulher. Cortando o próprio clitóris com a tesoura a Mãe-Eva se 'tira o prazer' devido a culpa que sente pela humanidade. Ao mesmo tempo, a Mãe-Lilith corta qualquer vínculo com o Homem, a Glande.

Ao Acordar, o Pai visualiza a Mãe caída no chão e, junto a ela "Os Três mendigos", formados pelo Veado, o Corvo e a Raposa. Levanta e a mata sufocando-a. Na floresta ele encontra a Raposa, dizendo-lhe "O Caos Reina", o que seria o começo da história do Anti Cristo, Contrapondo-se a História de Cristo. Veja:

A Morte....................> O Nascimento;
A Mulher.................> O Homem;
Os Três Mendigos...> Os Três Reis Magos;
O Anticristo..............> Jesus Cristo.

Ao iniciar sua volta a cidade, é surpreendido pelos "três mendigos". O veado - símbolo da alma que sofre, que geme, chora e luta até o fim -, o Corvo - contrário a 'pomba branca', símbolo da Paz, o canto do corvo, “Crás”, que significa “amanhã” em latim, é o prenúncio - , e a Raposa - é tido como animal feiticeiro e feminino e também como o duplo da consciência humana. Uma multidão de mulheres desce a montanha e ele se vê fundido com a natureza, como antes, na técnica terapêutica que ele fazia com a 'Mãe'. Sugerindo então, que ele sucumbiu a psicose. Sucumbiu a uma nova religião. A religião, a psicose.

O Anti Cristo não necessariamente é "O mal", mas os valores contra os do Cristianismo difundido. Ao ir de encontro o patriarcalismo e outros valores pregados, o filme ataca não só a Igreja católica pela criação da idéia do Cristianismo atual como, conseqüentemente, Jesus Cristo, como símbolo da instituição. Por este viés, o anti cristo é tanto a "Mãe" como o próprio criador da história.

Particularmente, fiquei maravilhado com o filme em sua simbologia. Acredito em Jesus Cristo e Deus, mas não o divulgado pelo Cristianismo. Devemos entender que Jesus Cristo e seus preceitos é uma coisa, o Cristianismo difundido atualmente, é outra. A religião é necessária para que nos apeguemos em algo. Mas questionamentos são essenciais para o autoconhecimento a fim de tornar-se uma pessoa melhor. Devemos ser bons por si, não por medo de ir ao inferno. O infernos são os outros. O infernos, nós o somos.

Filmes de Von Trier: 1° DogVille; 2° Dançando no Escuro; 3° Manderlay; 4° Os idiotas


Por Cláudio_DeLarge
(Dedicado a Tácio Oliveira, por ter ido comigo ao cnema e fechado os olhos nas partes 'fortes'. Fofo)

8 comentários:

Luíz Carlos disse...

A sua crítica foi a mais completa que eu li. Vc pegou cada detalhizinho do filme e se perguntou o por que do diretor ter usado.... Virei um fã

Carla__ disse...

Eu, como futura cientista social, preciso assistir.


Quem é Tácio?

Natália disse...

Nossa Cláudio. Eu PRECISO ver esse filme com você!

PS: Olha a galera de Sociais em peso aqui.

Unknown disse...

cara, assisti esse filme por acaso esse ano e não entendi o significado dos três mendigos. Vim pesquisar aqui e encontrei não só o significado desses mas como o significado do filme todo, poxa!! Em, fim o filme é muito bom, mto bom msm e sua explicaçôes tbm...

Obg, abração

BLOODY CINE disse...

Parabéns pelo Post! Tomei a liberdade de linká-lo em uma postagem no meu blog de catálogo de filmes. Essa produção ("Anticristo") é realmente sem precedentes.

Paul disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Paul disse...

Eu quase assisti ao filme, mas estava com alguns amigos, os quais ficaram aterrorizados com a primeira cena do filme, toda em câmera lenta.

Eu tbm tomei um susto inicialmente, mas teria visto o filme por inteiro se estivesse sozinho, pois aquilo me deixou curioso. Tipo, um filme tão bem recebido pela crítica seria uma espécie de pornô insano?!?! rsrs
Eu já queria ver o filme em outra oportunidade, mas apos ler a sua análise, verei o mais breve possível.

Hoje tive o prazer de assistir Dogville, que me deixou maravilhado pela discussão filosófica e densa sobre a natureza humana. Virei fã do Lars Von Trier! *-*

Vinícius Linné disse...

Poucas vezes vi alguém dissertar sobre o cinema com tanta propriedade. Estou há dias lendo seu blog sempre que possível.