sábado, 22 de maio de 2010

Um Conto do Seu Futuro

Observação: Oro com todas as minhas forças que este conto sobre o seu futuro não se realize.

19h12
Olhou com nojo para o reflexo no espelho e viu um estranho. Tornou-se tudo o que nunca quis ser. Se não tivesse apenas uma bala atiraria na própria imagem, mas não poderia desperdiçá-la. O gatilho era o botão da liberdade. Estaria livre do seu corpo velho que aprisionava-o e teimava em obedecer a reprodução lenta de suas células e metabolismo fraco. Passividade, pois agora só podia olhar: Idade. Sentado na banheira, acionou a trava e colocou a culatra da arma na boca. Escolheu a banheira pois seria mais fácil de limpar. Colocou o dedo indicador no gatilho e fechou os olhos. Ouviu-se então, um barulho.

***

Como vocês puderam ver no começo deste conto, haverá uma morte. Acabará com uma morte, digo-lhe. Desculpe acabar com a surpresa, mas não consigo guardar segredos. Deve ser por que odeio-os. Caso não existissem, todos seriam sinceros uns com os outros e não haveriam desavenças. Dizem que quando mentimos ou omitimos algo, nossos olhos direcionam-se para a direita pelo menos duas vezes. Rapidamente e imperceptivelmente. O corpo fala. Portanto, os olhos deveriam mandar uma mensagem para o cérebro e matar o próprio mentiroso. Um ataque cardíaco devido a dor no coração ao sentir que conta-se uma mentira. E, dividindo da mesma opinião sobre mentiras e sinceridade, era o personagem central dessa história.

Dom tinha 49 anos, cabelos grisalhos, olhos castanhos e um corpo enxuto em comparação aos homens da sua idade. Apenas a barriga teimava em ser flácida. O pênis até que funcionava, mas tinha preferência em ser passivo na cama. Sim, ele era um professor de psicologia em uma universidade católica e era homossexual. Descobriu-se homossexual há exatos 33 anos, idade de Cristo morto. Hoje, às 8h09, decidiu suicidar-se. Porquê? Pois hoje, às 6h10 percebeu que tudo ao seu redor tinha um tom acinzentado. Perdeu-se o anil, o azul e o violeta. Perdeu-se o amarelo, o vermelho e o laranja. Perdeu-se. E sentia-se feliz pela decisão.

Às 11h56 assinou a folha de ponto e deparou-se com Ana, uma secretária jovem que substituiu a Sra. Rute, afastada por complicações da diabete. Perdeu-se a olhar os detalhes do seu rosto. Percebeu que a ondulação de seus cílios lembravam os detalhes das grades de sua casa e que, coincidentemente o rímel juntou-os em pares. Exceto a junção de três que apontavam para o relógio. Tudo nela tinha uma cor incrível.
- Você está incrivelmente linda hoje. Se todas as pessoas preocupassem em tratar umas as outras como a senhorita trata suas linda madeixas louras, eu poderia andar na rua tranqüilamente. O mundo seria tão lindo quanto seus olhos verdes. - Disse sorrindo e saiu logo em seguida deixando-a ruborizada e com uma leve respiração ofegante de felicidade. Justamente este dia ela não fez nada no cabelo, apenas não preocupou-se em arrumá-lo por que estava feliz demais devido a maravilhosa noite de sexo que tivera com um jovem 9 anos mais novo. Ela tinha 24 anos. Tudo ficou acinzentado novamente para Dom.

Antes de fazer o que planejava, decidiu ir ao cinema. Iria passar "Bonequinha de Luxo" e não queria perder. Seria seu ultimo filme em vida. A caminho do carro, deparou-se com um de seus alunos. Sorá, um francês naturalizado de cabelos lisos pretos arrepiados e olhos cinzas penetrantes. Ao olhá-lo, todas as cores tornaram-se vibrantes. Até o preto dos pêlos de sua barba falhada pós-adolescencia eram lindos. Flores negras nascidas de uma terra fértil e jovem. Um rosto fino que combinava com seu nariz grande e pontudo. Sua boca movimentou-se e dela saiu um som que despertou os devaneios de Dom.
- Identifiquei-me muito com o assunto de hoje. Foucault e "A História da Sexualidade". Aula incrível, não conseguia tirar os olhos do senhor. - Olhos cinzas penetrantes nos olhos castanhos esverdeados de 45 anos. - Podemos beber algo, queria conversar mais.
- Não bebo.
- Nem eu. Que tal uma limonada com canudos?
- Sabia que se pegarmos dois canudos e colocarmos um dentro do copo e outro fora, e sugarmos simultaneamente, não conseguiremos beber a limonada?
- Deve ser por que temos que escolher entre sugar o azedo e sentir o gosto, e sugarmos o nada e continuarmos na mesma, senhor. - A lingua do aluno molhou os próprios lábios.
- Amanhã. Hoje tenho compromisso, meu caro.

14h e começou a sessão. Dom adorava Audrey Hepburn. Ao sair da sessão, deparou-se com Sorá.
- O que fazes aqui?
- Vi o senhor chorar na cena do beijo na chuva. Achei encantador.
- Primeiro, não me chame de senhor, segundo, prometa-me que vai embora. Tenho compromisso.
- Prometo se prometer fazer um desafio. Deixar-lhe-ei, então, em paz.
- Diga!
- O que de mais artisticamente louco quis fazer? - A resposta veio segundos depois.
- Correr pela Pinacoteca de São Paulo cantando "Non Je Ne Regrette non rien". E você?
- Correr pela Pinacoteca de São Paulo cantando "Non Je Ne Regrette non rien". Desafio-o a fazê-lo, caso contrário digo que seduziu-me em troca de notas.

Não pensou duas vezes e o fez. Não por medo da mentira inventada pelo aluno, mas por que ia morrer dentro de 3h. Iria suicidar-se. Então, o fez. Correu dos policiais junto com a jovialidade de Sorá à seu lado. Correu e ainda cantou "Singin' The Rain". Correu e correu. Todas as cores dos quadros tornaram-se tão vivas que parecia invadi-lo. Correu até a porta de saída e até o carro. Entrou e deu partida ainda ouvindo as vozes dos seguranças aos gritos. Começou a chover. Sorá falava do existencialismo de Sartre e do niilismo de Nietszche. Com uma gana de convencimento que tornava-o atraente e chato ao mesmo tempo.

Dom estacionou na calçada da casa de Sorá.. 
- Pronto, entregue.
Sorá abriu a porta do carro e começou a dançar na chuva até abrir a porta que Dom encontrava-se. Tudo parecia em lentidão. Dom poderia ver as gotas explodindo. Sorá tirou a camiseta fazendo com que Dom perdesse-se. Seus olhos castanhos tornaram-se mil, fazendo com que pudesse acompanhar cada gota percorrendo o corpo branquelo e definido de Sorá. Todas as gotas terminavam nos pêlos pubianos amostra.

***

19h13
Essa foi a ultima cena que passou na cabeça de Dom ante de colocar o dedo no gatilho e ouvir o Barulho. O silêncio nos diz tanto. Dizem que quando morremos, ouvimos o mais puro silêncio já escutado. 
Por que as coisas mais gostosas ou incríveis que existem, são aquelas que nunca experimentaremos? No caso de Dom, foi um barulho que ouviu ao colocar o indicador no gatilho. Ding Dong. Era a campainha. Maldita hora!

Olhou no olho mágico e teve um sobressalto. Abriu a porta e era Sorá.
- Eu quero você!

Amigos, confessem. É piegas demais um amor fazer com que o nosso protagonista Dom mude de idéia. Nossa vida inteira procuramos um amor, e só o encontramos na hora de nossa morte? Se ele transasse com Sorá, seria feliz, mas depois, provavelmente, levaria um pé na bunda. Não por que 25 anos os separavam, mas por que o conhecimento o fazia. Mesmo assim, Dom queria morrer. Eu disse que alguém morreria na história, não disse? Talvez vocês queiram que Dom transe e decida não morrer, mas, incoscientemente, vocês não querem isso. Querem sim que ele morra, para que vocês sintam-se melhor. Para que ele lave a alma de vocês. Para que ele seja um exemplo do preconceito que vocês são sujeitos e de como a sociedade descarta quem não lhe é interessante. Vocês querem que ele morra. E ele morrerá.
- Aguarde, preciso ir ao banheiro antes. - Dom disse à Sorá. Fechou-se no banheiro e procurou sua pilula azul. Olhou-se no espelho e piscou. Ao abrir os olhos deparou-se com uma imagem diferente no espelho. Era um flamingo verde que parecia ter saído de um conto de fadas de terror. Olhos estranhamente desproporcionais.
- Olá, Dom!
- Agora tenho alucinações? Enlouqueci? Minha consciência veste uma fantasia ridícula de flamingo? Tire-a!
- Tire você essa fantasia ridícula de homem. Você foi criado achando que seria rico e um grande diretor de TV? Que teria uma casa com filhos? Você acreditou nisso e eu sou o ridículo?
- Eu tive isso.
- É fácil chorar quando somos rejeitados pelas pessoas que queriamos amar, mas não choramos quando rejeitamo-as. Até mesmo sem perceber que nos amam. Não olhamos. É fácil sentir raiva de Deus e dizer que ele não existe. Realmente ele não existe para você. Ele esqueceu de você. Conto-lhe um segredo: Deus casou-se com o Diabo e, após a separação, partilhou os bens. 1/3 dos anjos. Deus é a Eva. Esqueceu de você. Você esqueceu de si mesmo. Por isso merece morrer. Ou Não - Sua voz tornou-se calma - Você está feliz agora por que irá transar? Sente-se vivo com essa possibilidade? Pois darei-lhe uma escolha. Esta noite alguem deverá morrer: Ou você ou Sorá. - Mostrou-se em um sorriso - Caso transe com ele, fará com que descubra-se gay e contar-lhe-á a novidade aos pais. O pai de Sorá indignará-se e atirará na testa do próprio filho. Caso não transe, ele viverá, mas você morrerá. A escolha é sua. Tudo depende se decidir engolir ou não esta pílula azul que levantará o seu pau. - A Imagem sumiu.

9h20
Pensou durante minutos. Ouviu as batidas impacientes na porta. Pegou a pílula e engoliu-a. Decidira viver naquele segundo. Viver cada minuto como se fosse o ultimo. Decidiu parar de policiar-se e começaria a entregar-se. Decidiu não decidir.

9h59
Serviu dois drinks e brindou com Sorá. Seus lábios lentamente encaminharam-se aos dele. 10cm... 5cm... 3cm separavam os dois lábios. Ao tocarem-se, Dom sofreu um ataque cardíaco e morreu. A causa foi o uso indevido do composto Sildenafil, presente na pílula azul.

Seis anos depois, Sorá casou-se com uma mulher e teve três filhos. Charles, Vinicius e Caterine. 16 anos depois, Charles informou ao pai que era homossexual. Morreu com um tiro na testa.

Por Cláudio_DeLarge

2 comentários:

Anônimo disse...

O conto eh cmprido mas como vc msmo me disse, nem percebi. NOSSA, quantas reviravolta. V c eh foda.

Anônimo disse...

CARALHO! PHODA!!!!