sexta-feira, 31 de julho de 2009

A Praia

“Simplesmente, era-lhe impossível continuar a viver! “Deus não quis!” diria a pobre moça, e matou-se depois de rezar uma oração. Tudo isso parece simples, mas nos persegue como pesadelo; chegamos até a sofrer com isso, como se houvesse acontecido por nossa culpa”.
(F. Dostoiévski)


Visualizo de longe as ondas quebrarem violentamente a metros da orla que chega até a assustar. Apinhado de pessoas tanto na água quanto na areia ao meu redor, pergunto-me o porquê de arriscarem-se naquelas águas violentas e imprecisas se a calmaria encontra-se aqui na areia. Talvez a incrível sensação de refrescar-se do sol causticante e sentir-se vivo seja uma motivação, mas arriscar-se daquela forma apenas para sentir uma sensação diferente ou alguns neurotransmissores a mais não é tão necessário assim. Ainda mais depois de ver surfistas sagrando, tristeza pela prancha quebrada ou pela onda perdida. Para amenizar o calor, jogo uma garrafa d'agua em minha nuca e a sensação de sentir a gota gelada escorrendo sob minhas costas a quase evaporar é uma delícia. Porém, esta pouca água não me satisfaz tanto quanto aquele enorme oceano o faria. Porém, a segurança fala mais alto.

Com os olhos perdidos no horizonte, estimulados pelo som de "Zombai" da banda Cramberries, acaba por chamar-me atenção um surfista magricela e com cabelos compridos caindo sobre os ombros. Ele lutava para ficar em pé em uma prancha prestes a quebrar em duas partes. Em uma fração de segundos, o magricela perde o equilíbrio na prancha, que se divide em dois e uma das partes vai diretamente em sua nuca. A onda se finaliza cinco metros depois. Em seguida, uma nova onda, trazendo as duas partes da prancha verde, sem o magricela. Vejo ao fundo uma agitação na água e gritos silenciosos. Olho ao meu redor e a praia encontra-se inacreditavelmente vazia. Volto a olhar para o oceano e todos não estavam mais lá, apenas a agitação concentrada em um ponto mínimo da imensidão azul. O magricela.

Sem hesitar, vou em direção ao magricela. A sensação de entrar na água é deliciosa e refrescante. Cresce uma vontade louca de ir cada vez mais fundo para que a água refresque todo o meu corpo e, incrivelmente, a facilidade em nadar aumenta, mas a disposição da respiração diminui. Poucos metros nos separam. O magricela aproveita-se de minha respiração irregular utilizando o meu oxigênio. Apoia-se em meus ombros e, num movimento que acreditava ser o prelúdio de um abraço, empurra-me para o fundo a fim de alcançar parte da prancha quebrada. Será que o magricela não percebe que a prancha não mais o suportará? Com grande dificuldade de manter a mim e ele na superfície, vejo uma prancha de longe. Sorrio para ele, porém os olhos dele, ao visualizá-la, é de terror e hesitação. Não suportarei. Ou morremos os dois, ou vou até a prancha e deixo que ele morra só.

Aspirando cada vez mais quantidades de água, minha laringe não suporta e relaxa, fazendo com que eu engula incrível quantidade de água. A pressão da água em meus ouvidos incitam uma dor de cabeça lacinante, meu pé direito não me obedece e meus olhos visualizam apenas uma lua distorcida e vacilante.

Com um ultimo feixe de força que me resta, empurro o corpo do magricela, que ainda se debate , em direção a prancha inteira. A dor de cabeça torna-se insuportável. A água enche violentamente meu estomago e passa pelos meus pulmões, queimando meu peito numa dor que me faria gritar, parecia que ia moer minhas costelas. Não conseguia mais pensar, O fogo consumia cada parte do meu corpo e meu coração galopava para a ultima batida. Falhando três vezes, baixinho, ele pulsa uma ultima batida fraca. Não havia mais som de respiração ou batimento. No momento, eu podia apenas sentir uma ausência de dor.

Abrindo os olhos, fitei-o surfando sorridente. Maravilhado. Por ora, assistirei-o aqui da beirada.


Por Cláudio_DeLarge

Um comentário:

Nath disse...

É verídico? Você anda escrevendo tão bem que se relatar um experiência em marte, eu acredito.