terça-feira, 2 de novembro de 2010

Voar sempre, cansa. Por isso ele corre em passo de Dança...

"Creio que aqueles que mais entendem de felicidade são as borboletas e as bolhas de sabão. Ver girar essas pequenas almas leves, loucas, graciosas e que se movem é o que, de mim, arrancam lágrimas e canções.
Eu só poderia acreditar em um Deus que soubesse dançar. E quando vi meu demônio, pareceu-me sério, grave, profundo, solene. Era o espírito da gravidade. ele é que faz cair todas as coisas. Não é com ira, mas com riso que se mata. Coragem!
Vamos matar o espírito da gravidade!
Eu aprendi a andar. Desde então, passei por mim a correr. Eu aprendi a voar. Desde então, não quero que me empurrem para mudar de lugar. Agora sou leve, agora vôo, agora vejo por baixo de mim mesmo, agora um Deus dança em mim!" - Friedrich Nietzsche

Ah, a dança!
Dançar, amigos, é algo inenarrável. É desprendendo-me de mim mesmo que tenho o maior contato interior possível.  Eu não me sinto dentro de mim e me vejo de longe. E, ao mesmo tempo, transporto-me para meu interior e reconheço cada particularidade do meu corpo, cada parte dele. Viajo pelo meu corpo físico e emocional. Eu não consigo descrever, sério. Dançar deveria ser obrigatório!


Sempre fui apaixonado por dança. A primeira evidencia ocorreu aos seis anos de idade após ter assistido "Os Embalos de Sábado Continuam", de 1983 e dirigido por Sylvester Stallone. Roubava as polainas da minha mãe e dançava a casa inteira. Rodopiava, pulava e era criança. A Paixão cresceu com o musical "Grease - Nos tempos da Brilhantina", também atuado por Jonh Travolta. Mesmo com a paixão evidente, minha familia não colocou-me na Dança. Talvez por preconceito, talvez por falta de percepção. Entrei na Natação e, na academia, via no "Axé" a possibilidade de exteriorizar a explosão que ocorria em mim a cada musica alegre. Fiz dos 10 aos 13 anos. Rebolava e transpirava a cada batida de Funk e a cada gingada do Axé. Aos 13 anos tive que operar a coluna. Perdi o molejo e ganhei um trauma de insegurança frente a minha aparência e corpo. Estudei-estudei-estudei. Aos 20 anos e um diagnóstico de perfeccionismo obsessivo e início de Processo esquizóide, a terapia indicou-me a DANÇA - Falo isso com naturalidade, pois já considero-me quase curado.

Por que contei toda essa história? Para mostrar o quão a dança pode ser essencial no processo psicológico de um indivíduo. Como ela é capaz de desenvolver e resolver uma estrutura psicológica. Indo um pouco mais além, podemos dizer que ela cura. France-Soir defende que desde 1950, o movimento é usado para libertar tensões, canaliza e reorienta os ímpetos. Acalma e elimina os comportamentos agressivos e tranqüiliza as personalidades psicóticas e fóbicas. E, leitor, sem preconceitos e limitações digo-lhes que personalidade fóbicas e psicóticas são muito mais comuns do que desconfia nossa vã filosofia. Num estudo feito pela USP em 2009, 9 a cada 10 brasileiros possuem alguma problema psicológico de Nível Médio. E Longe de fazer-me de vítima "Ó, como sofro", diminuir-me é algo que está fora de questão. Quero mostrar o quão é normal isso e como o preconceito com psiquiatras, psicólogos ou com "pessoas assim" é burrice. Enfim, mas esse não é o foco do post...

Para o psicanalista Carl Jung, o movimento pode revelar, involuntariamente, as características mais intimas de um indivíduo, visto que ele é a expressão particular de cada pessoa. É o processo de exteriorização individual. Ele sempre trás aspectos tanto conscientes, quanto inconscientes. O principio essencial da dança é  a autonomia da pessoa investigar-se em movimento e, conseqüentemente, identificando-se. Minha dança é minha terapia. Leva-me a vivenciar o potencial de minha força criativa, do meu auto-conhecimento, do encontro de meu equilíbrio e, acima de tudo, da superação de minhas dificuldade emocionais.

Um dos maiores defensores da Dança como Processo de ilimitude é Friedrich Nietzsche. Ele a descreve como uma expressão de vitalidade, da vontade de poder, da capacidade do homem em agir de modo “ativo” em uma cultura que o quer apenas “reativo” (NIETZSCHE, 2004, p. 63). É uma ação que coloca o dançarino no protagonismo de sua vida, sem ensimesmar-se ou introverter-se. Na auto-biografia "Em Minha Vida", de Isadora Duncan, ela nos diz que nunca sujeitou-se aos contínuos "Nãos" da vida, que "parecem da vida das crianças um tormento". Para Nietzsche a dança é um Sim à vida, contudo que seja dançada por quem compartilhe este "Sim". E este pensamento não acontece fora de onde ele se dá. Ele é efetivo no seu lugar e intensifica-se, fazendo da dança o movimento de sua própria intensidade - Falei Bonito!

Nietzsche então divide o processo artístico em duas vertentes: Apolíneo e Dionisiaco, inspirados nos deuses da mitologia grega. Nietzsche apresenta Apolo como um deus dos sonhos, formas, regras e medidas. O apolíneo é a aparência, a individualidade e figuras bem delineadas. Como é o domínio da imagem e metáfora, considera-se dissumulado e a conceitualização com a aparência. Em contra partida, também representa o equilíbrio, moderação dos sentidos e, em certo ponto, a civilidade.
Já Dionísio é o Impulso e exagero, da liberação dos instintos e da extaticidade. Um eterno fluir. Sendo o Deus do vinho, da dança e da música, ele representa o irracional, a quebra de barreiras impostas pela civilização e a dissolução de limites. O artista apolíneo almeja a bela aparência e a boa ilusão, representando figuras bem delimitadas na sua individualidade, puras e caracterizadas pelo equilíbrio. O criador dionisíaco exacerba a dissolução do indivíduo, a desmesura, o exagero. São dois impulsos opostos e contraditórios, porém complementares na criação estética. Resumidamente falando, o encontro da técnica (apolínea) e a da emoção (dionisíaca).

Especificamente na DANÇA, então, cria-se o conceito de UNO PRIMORDIAL, um lugar onde só existe intensidade. O dançarino com suas emoções dionisíacas despertadas, sente que todas as barreiras entre ele e os outros homens estão rompidas  "Num mundo das emoções inconscientes, que abole a subjetividade, o homem perde a consciência de si e se vê ao mesmo tempo no mundo da harmonia e da desarmonia, da consonância e da dissonância, do prazer e da dor, da construção e da destruição, da vida e da morte."(CADERNOS DE NIETZSCHE 3). 

Partindo dessa premissa, o desprendimento do próprio corpo para o encontro com minhas forças dionisíacas transformam-me não em outra coisa se não em mim próprio. Um "artista" como força da minha própria natureza.

Atualmente faço Ballet Clássico, Ballet Contemporaneo e Sapateado. Em sua totalidade de seis horas e meia semanais, confesso e afirmo com total certeza que estas são as horas mais felizes de minha semana. Não sei se fui claro no que quis passar à vocês. Misturei vários assuntos e temáticas. De qualquer forma, caro leitor, "se eu pudesse dizer a você o que desejo transmitir, não haveria necessidade de dançar"(Isadora Duncan).


Grupo Corpo - Onqotô (2005) - Mortal Loucura




 “Mesmo naquela época eu senti que os sapatos e as roupas só me atrapalhavam. Os sapatos pesados eram como correntes, as roupas eram minha prisão. Assim, eu tirava tudo. E sem nenhum olhar me observando, totalmente sozinha, dançava nua na praia. E me parecia que o mar e todas as árvores estavam dançando comigo”. - Isadora Duncan

2 comentários:

Anônimo disse...

Deve ser um anjo dançando.....

Natália disse...

E toda vez que ouço/leio você falar sobre dança me vem sempre Nietzsche e Bergson na mente. Dessa vez veio algo a mais, uma incrível necessidade de me entregar a ela. Quero bailar contigo, comigo e com o cosmos haha